sábado, 24 de setembro de 2016

6 coisas que aprendi na prisão

Por David Langness.


“Diz-se que ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro das suas prisões. Uma nação não deve ser julgada pela forma como trata seus cidadãos mais elevados, mas como trata os mais rebaixados.” - Nelson Mandela
Você já esteve na prisão?

Na verdade, talvez eu deva reformular a pergunta usando outra palavra: você já esteve numa prisão? Se não esteve, eu recomendo. Não quero dizer que deva ser preso; quero dizer, visitar uma prisão, ou um prisioneiro, para ver como a sua sociedade trata as pessoas encarceradas.

Eu próprio tive uma experiência incrível numa prisão, quando um amigo meu que ensinava Inglês numa prisão dos EUA, me pediu para o substituir durante um semestre. Tenho a certeza que os meus alunos - uma dúzia de criminosos - me ensinaram muito mais do que eu ensinei a eles.

Aqui está a versão abreviada das seis grandes lições que aprendi:
  1. Nunca devemos fazer algo que nos possa - mesmo que potencialmente – levar à prisão. Nunca.
  2. Pensamos nas prisões como locais cheios de psicopatas - como nos filmes - mas as prisões têm principalmente pessoas normais que, num momento das suas vidas, tomaram uma péssima decisão (ou várias!) e foram apanhadas.
  3. Na verdade, a maioria dos prisioneiros - algumas estatísticas dizem que são cerca de 85% - está atrás das grades, porque desenvolveu, nos seus primeiros anos, um vício de álcool ou outras drogas.
  4. Aqueles de nós que têm liberdade, tendem a tomá-la por garantida - até que a perdem.
  5. A prisão tira-nos a liberdade física - também pode tirar o espírito.
  6. Na prisão pode estar qualquer um de nós (Deus nos ajude!).

Quando eu dava aulas de Inglês, ia à prisão todas as quartas-feiras à noite, durante um semestre. No início, tinha algum receio - provavelmente qualquer pessoa teria - mas isso desapareceu rapidamente. Pouco depois, descobri que gostava dos prisioneiros a quem ensinava - eram animados, curiosos e queriam aprender; tornavam as minhas aulas realmente interessantes. Alguns ficavam sossegados, outros eram engraçados, e outros tinham enormes dotes intelectuais. Um sujeito - um adolescente afro-americano, que tinha abandonado a escola para vender crack - tinha um QI de nível génio e era uma das mentes mais brilhantes e mais rápidas que eu alguma vez encontrei. Claro que os prisioneiros a quem eu dava aulas tinham ganho o privilégio de assistir às aulas graças ao seu bom comportamento; assim, nenhum deles representava qualquer perigo para os outros ou para mim. Ali nunca me senti ameaçado ou inseguro.

Um dos meus alunos disse-me "Ó professor, quando você vier para a aula da próxima semana, não deixe o carro no parque de estacionamento. Em vez disso, estacione o seu carro junto ao muro da torre norte, e deixe as chaves na ignição!" Ri-me tanto da primeira vez que ele repetiu a piada todas as quartas-feiras. Talvez ele estivesse meio a brincar.

Ou talvez - apenas talvez - ele usasse o humor para destacar a diferença óbvia entre nós: eu podia sair e ele não podia.


No fundo, a minha experiência na prisão levou-me a um novo mundo que eu nunca tinha encontrado antes, e que poucas pessoas do lado de fora alguma vez encontram. Fez-me perceber, de forma limitada e como visitante, o que é estar preso. Deu-me uma noção melhor da minha própria liberdade. Em última análise, fez-me pensar muito sobre a justiça, e o que ela significa para um prisioneiro. Comecei a ler tudo que eu podia encontrar sobre a justiça penal e a sua reforma. Tudo isso levou-me aos ensinamentos Bahá'ís sobre a recompensa e punição; o certo e o errado; a justiça e a injustiça; e a maneira correcta da sociedade lidar com a lei e com aqueles que a violam. Nesta série de artigos sobre estes assuntos, vamos olhar para as questões, examinar as maneiras como as nossas sociedades actualmente lidam com o crime e castigo, e explorar as soluções de justiça criminal que os ensinamentos Bahá’ís oferecem à sociedade.

Vejamos, em primeiro lugar, o conceito global – a lei eterna de recompensa e punição.

Quando estava em Paris, em 1913, 'Abdu'l-Bahá deu uma palestra notável sobre estes dois assuntos:

Na condução da vida, o homem é accionado por dois motivos principais: "A Esperança de Recompensa" e "O Medo da Punição."

Esta esperança e este medo devem, consequentemente, ser levados em conta por quem tem autoridade em cargos importantes no Governo. A sua actividade na vida é consultar juntos sobre a elaboração de leis e permitir a sua justa aplicação

A tenda da ordem no mundo está erguida e estabelecida sobre os dois pilares da "recompensa e castigo".

Em governos despóticos conduzidos por homens sem fé divina, onde não existe medo de represálias espirituais, a aplicação das leis é tirânica e injusta.

Não há maior prevenção de opressão do que esses dois sentimentos: esperança e medo. Eles têm consequências políticas e espirituais.

Se os administradores da lei levassem em consideração as consequências espirituais das suas decisões e seguissem a orientação da religião, "Eles seriam agentes divinos no mundo da acção, os representantes de Deus para aqueles que estão na terra, e defenderiam, por amor a Deus, os interesses dos Seus servos como defendem os seus próprios". Se um governador percebe a sua responsabilidade e teme desafiar a lei divina, as suas sentenças serão justas. Acima de tudo, se ele acreditar que as consequências das suas acções vão acompanhá-lo para além da sua vida terrena e que "ele vai colher o que semear", esse homem certamente irá evitar a injustiça e a tirania.

Caso um funcionário, pelo contrário, pense que toda a responsabilidade pelas suas acções termina com a sua vida terrena, nada souber sobre os favores divinos, nem acreditar no reino espiritual da alegria, ele não terá incentivo para agir de forma justa, nem inspiração para destruir a opressão e a injustiça.

Quando um governante sabe que as suas sentenças serão avaliadas numa balança pelo Juiz Divino, e que se ele não estiver em falha ele entrará no Reino Celestial e que a luz da Dádiva Celeste vai brilhar sobre ele, então ele certamente agirá com justiça e equidade. Eis como é importante que os ministros do Estado sejam iluminados pela religião!

... a justiça não está limitada, é uma qualidade universal. A sua função deve ser executada em todas as classes, desde a mais alta à mais baixo. A justiça deve ser sagrada, e os direitos de todas as pessoas devem ser considerados. Desejar para os outros apenas o que desejamos para nós próprios. Em seguida, regozijar-nos-emos no Sol da Justiça, que brilha do horizonte de Deus.

Cada homem foi colocado numa posição de honra, que ele não deve abandonar. Um trabalhador humilde que comete uma injustiça é tão culpado como um tirano famoso. Assim, todos nós temos a nossa escolha entre justiça e injustiça.

Espero que cada um de vós seja justo, e direccione os seus pensamentos para a unidade da humanidade; que nunca prejudiquem os vossos vizinhos, nem falem mal de qualquer um; que respeitem os direitos de todos os homens, e estejam mais preocupados com os interesses dos outros do que com os vossos próprios. Assim, tornar-vos-eis tochas da Justiça Divina, agindo de acordo com os ensinamentos de Bahá'u'lláh, que, durante a Sua vida, suportou inúmeras provas e perseguições, a fim de manifestar ao mundo da humanidade as virtudes do Mundo da Divindade, tornando possível para vós perceber a supremacia do espírito e regozijar-vos na Justiça de Deus. (Paris Talks, pp 157-160)

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Texto original: 6 Things I Learned in Prison (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

1 comentário:

Anónimo disse...

Que belo artigo. A Fé Bahá'í ensina realmente como deve ser feita a justiça.